Trocas comerciais portuguesas resistem (para já) a vaga protecionista mundial
04/12/2024 17:03
Apesar do aumento do protecionismo à escala mundial, as exportações e importações portuguesas têm conseguido escapar praticamente imunes ao impacto da fragmentação da economia mundial. A conclusão é de um estudo divulgado esta quarta-feira pelo Banco de Portugal sobre o comércio, que diz a dependência do comércio intracomunitário "tem sido uma forte proteção para Portugal" face à vaga protecionista.
O estudo realizado por João Amador, Alexandre Carvalho, Ana Correia e Joana Garcia revela que, nos últimos anos, observou-se um aumento das pressões protecionistas globais, com um crescimento de intervenções estatais "que, direta ou indiretamente, restringem os fluxos comerciais". Foi o caso do aumento das barreiras tarifárias entre a China e os EUA a partir de 2018 e a saída do Reino Unido da UE em 2020, após o referendo de 2016.
A juntar a isso, verificou-se também, sobretudo após a pandemia da covid-19, um reforço dos apoios dos Estados a empresas nacionais, "justificados pela necessidade de proteção do emprego interno e de segurança no acesso a matérias-primas críticas, bem como um reforço da cooperação com países que partilham valores semelhantes". O exemplo mais paradigmático disso é o pacote anti-inflação dos Estados Unidos (o chamado IRA).
Em conjunto, essas medidas de menor abertura ao mercado global têm um impacto crescente no comércio e levantam preocupações em relação à fragmentação da economia mundial. No caso das barreiras tarifárias, o seu impacto é visível nas trocas comerciais de bens, já que, pela sua natureza, as tarifas se aplicam apenas a bens (e não aos serviços).
No caso de Portugal, o estudo do BdP revela que o facto de a maior parte das trocas comerciais acontecerem entre países que pertencem à União Europeia (UE) tem servido de "escudo" às exportações e importações nacionais, já que o "mercado único assegura a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas entre os países membros". De notar que, na lista de dez maiores parceiros comerciais portugueses, apenas três são de fora da UE (Estados Unidos, Reino Unido e Angola).
Tal acontece porque cerca de 60% das exportações e importações portuguesas são realizadas no mercado intracomunitário, mesmo com a saída do Reino Unido da UE em 2020. Os restantes 40% das exportações e importações de bens de serviços fora da UE estão sujeitos "à pauta tarifária exterior comum da UE e a tarifas impostas por terceiros aos produtos oriundos de países comunitários".
No que toca às importações portuguesas fora da UE, a tarifa efetiva média, que corresponde à tarifa efetivamente aplicada sobre os bens, tem-se mantido estável "em torno de 1%" até 2022. O BdP dá conta de que, "no início dos anos 2000, a tarifa efetiva média tinha diminuído, o que correspondeu a um período de aceleração da globalização, após a integração da China na Organização Mundial de Comércio [OMC] e com novos acordos comerciais celebrados pela UE".
Embora incidam sobre produtos diferentes, a tarifa efetiva média aplicada às exportações portuguesas de bens tem sido mais elevada do que a tarifa aplicada sobre as importações. Porém, também a tarifa efetiva média sobre as exportações portuguesas para fora da UE "tem vindo a diminuir desde 2014, situando-se em valores em torno de 4% em 2022".
"Tal significa que as exportações portuguesas extracomunitárias são mais penalizadas do que as importações portuguesas provenientes de países não membros da UE, limitando a capacidade de penetração das empresas nacionais nesses mercados", lê-se no estudo.
Apesar disso, dada a estabilidade das barreiras tarifárias ao comércio português até 2022, o comércio português de bens e serviços "não tem demonstrado sinais de abrandamento nos últimos anos". Descontando os efeitos
da pandemia, o comércio português de bens tem aumentado o seu peso no PIB, em termos nominais, enquanto o peso do comércio mundial no PIB têm-se mantido praticamente estagnado desde a crise financeira.
No caso de Portugal, o peso do comércio de bens no PIB aumentou de 50,3% para 65,2%, entre 1996 e 2019. Nesse mesmo período, o comércio mundial teve um crescimento menor, de 34,4% para 43,6%.
Considerando os principais parceiros comerciais extracomunitários, verifica-se que, entre 2014 e 2022, a tarifa efetiva média que incidiu sobre as exportações de bens nacionais manteve-se estável nos Estados Unidos, Brasil e Suíça. Por outro lado, aumentou em Israel, Coreia do Sul e Reino Unido. Já nas exportações para a China e Canadá, observou-se uma diminuição da tarifa efetiva média aplicada.
A evolução das tarifas em alguns dos parceiros comerciais nacionais está associada a "desenvolvimentos específicos da política comercial da UE", como é o caso da redução de tarifas observada no Candá dada a assinatura de um acordo comercial entre a UE e o Canadá, que entrou em vigor em 2017.
Por outro lado, há alguns "desenvolvimentos particulares" da economia portuguesa que ajudam a explicar outros movimentos nas tarifas aplicadas sobre as exportações nacionais. É o que se verifica na China, cuja tarifa efetiva aplicada sobre as exportações nacionais caiu de 12,5% para 4,7%, sugerindo "uma alteração do padrão de exportação, com maior orientação para produtos com tarifas mais baixas". Enquanto em 2014 o principal produto exportado para Pequim eram automóveis (com uma tarifa de 25%), agora são partes e acessórios de automóveis (com uma tarifa de 6%).
No caso de Angola, o BdP nota que, "apesar da tarifa efetiva média com peso variável ter diminuído entre 2014 e 2022, a tarifa efetiva com pesos constantes aumentou". Segundo a entidade liderada por Mário Centeno, essa evolução "reflete em parte o aumento das tarifas aplicadas às bebidas alcoólicas, cujo peso nas exportações portuguesas para Angola diminuiu cinco pontos percentuais no mesmo período".
De referir ainda que, com a saída do Reino Unido da UE, assistiu-se a um ligeiro aumento de tarifas aplicadas sobre as exportações nacionais, tendo em conta que o país passou a estar sujeito ao Acordo de Comércio e Cooperação com a UE, que prevê isenção de tarifas apenas quando o produto é classificado como originário da UE ou do Reino Unido.
O estudo do BdP revela também que, além de barreiras tarifárias, o comércio português, intracomunitário e extracomunitário, é afetado por outro tipo de barreiras (não tarifárias), que estão em níveis superiores ao pré-pandemia. Essas são "difíceis de quantificar", mas têm "um impacto significativo" nos preços e quantidades transacionadas, destacam-se, entre elas, as subvenções financeiras a empresas nacionais.
"Estes apoios afetam indiretamente as exportações portuguesas nos vários mercados em que as empresas portuguesas concorrem com as empresas apoiadas por essas medidas", explica o BdP.
O aumento desse tipo de barreiras é evidente sobretudo na ação da China e dos Estados Unidos. No caso da China, o BdP refere que se observou "um aumento dos subsídios às empresas". Por outro lado, essas barreiras nos Estados Unidos refletiram sobretudo "condicionalismos em termos da contratação pública que exigem, por exemplo, a utilização de produtos produzidos nos Estados Unidos".
Já o número de novas medidas implementadas por países da UE "manteve-se estável entre 2009 e 2019, tendo registado um aumento desde então, sobretudo devido a subsídios e ajudas estatais". A par disso, as medidas não tarifárias implementadas por Portugal também aumentaram nos últimos quatro anos, "refletindo principalmente medidas de política ao nível da UE referentes a sanções e subvenções financeiras".
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