Só há oito cotadas, mas é a IA que puxa pelo S&P 500
07/11/2024 09:30
O “boom” da inteligência artificial (IA) tem puxado pelos mercados financeiros desde o ano passado, com as bolsas mais ligadas ao setor a liderarem os ganhos. É o caso do índice de referência global S&P 500, apesar de apenas oito empresas terem a maioria das suas receitas ligadas à IA, de acordo com uma análise da empresa de dados financeiros Syntax. A Nvidia – a mais magnífica do grupo das sete – e a Alphabet (dona da Google) são as maiores fontes de exposição.
“Há apenas duas empresas que têm a maioria das suas receitas ligadas ao ‘hardware’ de IA e seis ligadas ao ‘software’ de IA. No total, 16 empresas têm linhas de produtos com receitas de IA”, explica Paul Kenney, vice-presidente sénior da Syntax, com referência aos dados comunicados nos relatórios das empresas até final do segundo trimestre. “Há cerca de 25 empresas que têm linhas de produtos relacionadas com a IA sem receitas atribuídas; estas representam frequentemente áreas de investigação e desenvolvimento (I&D) como a computação quântica e o software para veículos de condução autónoma”.
A lente de IA da Syntax divide-se em três partes: “hardware”, “software” e serviços. A primeira inclui semicondutores e processadores específicos de IA, bem como sistemas de equipamentos, enquanto a segunda abrange empresas que utilizam a IA numa variedade de capacidades (como motores de busca, visualização e design, cibersegurança e de- senvolvimento diversificado). A última centra-se em aplicações de IA relacionadas com a formação e a análise de dados.
Considerando como principal linha de negócio a que seja responsável por mais de 50% das receitas, apenas oito empresas do S&P 500 têm a maioria das suas receitas ligadas à IA. A Nvidia (que pesa 6,6% do S&P 500) e a Alphabet (4,3%) representam cerca de 90% do peso de 12,2% da IA no índice.
As valorizações em bolsa refletem esta realidade: até final de outubro, a Nvidia acumulava já uma subida de 168% no S&P 500, a segunda maior do índice e apenas atrás da Vistra. A empresa do Texas dispara mais de 220% depois de ter feito uma série de aquisições para expandir o portefólio energético. O S&P 500 ganhou quase 20% no mesmo período.
Mas a exposição muda quando é medida ao longo de várias linhas de produtos. “A primeira observação notável quando se passa para a visão mais precisa é a sobreavaliação da estimativa da exposição ao negócio principal”, indica Paul Kenney. Dividindo por segmentos, o peso da IA no S&P 500 cai para 7,9%, com o “hardware” sobrestimado em 2,8 pontos percentuais, uma vez que a Nvidia tem outras linhas de produtos não associadas à IA, como placas gráficas para computadores. Já o “software” estará sobrestimado em 1,4 pontos percentuais.
Em contrapartida, como os negócios relacionados com a IA podem representar linhas de produtos secundárias e terciárias para muitas empresas, esta análise desagregada também significa um aumento, para 38, do número de cotadas com exposição dentro do índice. “O surgimento da IA tem sido bem documentado, mas não é bem compreendido quando se trata da exposição incorporada pelas empresas cotadas no S&P 500. Embora a maioria dos investidores esteja ciente do envolvimento da Nvidia, da Alphabet e da Microsoft na IA, isso não é tão claro para empresas menos conhecidas e para o índice como um todo”, alerta o responsável da Syntax.
Bolha ou não, eis a questão
A dimensão e concentração das valorizações em bolsa tem, aliás, gerado preocupações. Ainda no último relatório de estabilidade financeira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que se a inteligência artificial (IA) pode tornar os mercados financeiros mais eficientes, também pode trazer maior volatilidade e opacidade. “A adoção da IA nos mercados financeiros pode melhorar a gestão de risco e aumentar a liquidez, mas também pode tornar os mercados mais opacos, mais difíceis de monitorizar e mais vulneráveis a ataques informáticos e riscos de manipulação”, avisou.
Luciano Floridi, professor e diretor fundador do centro de ética digital da Universidade de Yale, comparou o “hype” em torno da IA com cinco cenários anteriores de bolhas tecnológicas – dotcom, telecom, tecnologia chinesa, criptomoedas e ações tecnológicas – e concluiu recentemente que há características semelhantes, incluindo a presença de tecnologias potencialmente disruptivas, especulação, emergência de novos paradigmas de avaliação, participação significativa de pequenos investidores e falta de regulamentação adequada.
A posição não é, ainda assim, consensual. O Goldman Sachs, por exemplo, defende que as ações tecnológicas norte-americanas não estão a ser “apanhadas” por uma bolha, apesar da subida meteórica deste ano e do ano passado e de uma mão-cheia de títulos representar uma parte invulgarmente elevada da capitalização bolsista global.
O setor tecnológico gerou 32% dos retornos das ações globais e 40% dos retornos do mercado de ações dos EUA desde 2010. Segundo Peter Oppenheimer, estratega-chefe global de ações e responsável pela análise macro para a Europa do banco, este desempenho deve-se a fundamentos financeiros mais sólidos, ao invés de especulação irracional. E justifica: os lucros por ação do setor tecnológico global aumentaram cerca de 400% desde o seu pico antes da grande crise financeira, enquanto todos os outros setores, em conjunto, aumentaram 25% no mesmo período.
Ainda assim, admite que a elevada concentração representa um risco. “Os investidores devem procurar diversificar a exposição para melhorar a rendibilidade ajustada ao risco, ao mesmo tempo que ganham acesso a potenciais vencedores em empresas tecnológicas mais pequenas e noutras partes do mercado, incluindo na velha economia, que beneficiará do crescimento de mais despesas em infraestruturas”, recomenda.
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