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Inovação na saúde com evidência do mundo real
30/08/2024 14:00

Uma empresa portuguesa de investigação e desenvolvimento científico tem-se destacado no panorama da saúde ao especializar-se na geração de evidência do mundo real, utilizando registos clínicos eletrónicos.

A condução de estudos de RWE (do inglês Real World Evidence), no setor da saúde encontra na Europa desafios significativos. Primeiro, o acesso restrito aos registos clínicos eletrónicos consequente à natureza sensível deste tipo de informação pessoal ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). Segundo, a diversidade de sistemas de informação, formatos e natureza dos registos clínicos eletrónicos que dificultam a sua análise direta. O terceiro desafio centra-se nas limitações de infraestrutura das instituições de saúde para realizar o processamento rotineiro de grandes volumes de dados e o quarto no facto de se tratar de uma área emergente e multidisciplinar, para a qual os profissionais de saúde ainda estão pouco sensibilizados. "Este último ponto é crítico, pois não se gera evidência de mundo real apenas com capacidade de processar dados de saúde. É estritamente necessária a integração do conhecimento e experiência dos profissionais de saúde de cada instituição em todos os passos deste processo, para que os resultados possam ser adequadamente interpretados à luz da realidade clínica local, e só assim gerar evidência robusta e confiável para sustentar decisões em saúde", explica Daniela Antunes, Strategy and Research Director da MTG Research & Development Lab.

A nova metodologia desenvolvida pela MTG Research and Development Lab é, segundo os especialistas, crucial para entender a prevalência e incidência de doenças, avaliar a eficácia e segurança de tratamentos, e identificar oportunidades perdidas em diagnósticos e tratamentos.

O objetivo é claro: melhorar as decisões clínicas e as políticas de saúde. A iniciativa, denominada Full Cycle RWE Studies, venceu o Prémio Nacional de Inovação no segmento tecnologia, na categoria Inteligência Artificial e Machine Learning e na categoria Inovação em PME.

"A evidência gerada por esta metodologia é fundamental para que se conheça a prevalência, incidência de patologias, efetividade e segurança de medicamentos e tratamentos, as oportunidades de diagnóstico e tratamento perdidos, entre muitas outras áreas que podem ter um impacto substancial na decisão clínica e nas políticas de saúde, melhorando globalmente a saúde das populações", disse ao Negócios Daniela Antunes.

Capacitação tecnológica, técnica e científica

A MTG tem vindo a construir o seu caminho, especializando-se concretamente em práticas e metodologias técnicas que permitem que o processo de geração de evidência contemple algumas características essenciais. Primeiro, que ocorra sem a necessidade de acesso a registos clínicos eletrónicos por quaisquer instituições que não sejam as legítimas depositárias desses registos, cumprindo assim o RGPD. Em segundo lugar, que os registos clínicos eletrónicos sejam continuamente transformados de acordo com standards de representação comuns, viabilizando iniciativas de investigação entre múltiplas instituições, nacionais e internacionais. Por último, explicou Daniela Antunes, que as equipas técnicas e clínicas das instituições de saúde desenvolvam as competências necessárias para, de forma autónoma, participarem e liderarem este tipo de iniciativas.

Para esse efeito, a empresa trabalha também na capacitação tecnológica, técnica e científica das instituições de saúde, as suas "parceiras naturais", referiu Daniela Antunes, providenciando os recursos e a transferência de conhecimento necessários para a operação independente dessas instituições, com recurso exclusivo a ferramentas open source e de domínio público, disponíveis na internet para qualquer pessoa. Desta forma, as instituições de saúde tornam-se capazes de participar autonomamente em projetos de RWE, de integrar redes internacionais de investigação com registos clínicos eletrónicos e de atrair oportunidades de investigação com financiamento nacional e internacional. "A Europa está repleta de tais oportunidades, e muito poucas chegam a Portugal. Estamos ativamente a tentar mudar essa realidade."

Equipa multidisciplinar

Fundada em 2015, a MTG nasceu com o objetivo de prestar serviços de consultoria em saúde, nomeadamente no domínio digital, tendo desenvolvido, no período inicial, diversos instrumentos de gestão e planeamento com base em indicadores para instituições de saúde nacionais, públicas e privadas. "Hoje, a MTG é constituída por uma equipa multidisciplinar de médicos especialistas, académicos e engenheiros biomédicos, com uma trajetória profissional dedicada à investigação biomédica e à prática clínica. Todos os membros partilham a missão de contribuir ativamente para a melhoria do setor da saúde, acreditando que este tipo de investigação, em escala, se traduzirá numa melhoria substancial do processo de decisão clínica e da definição de políticas de saúde, melhorando, consequentemente, a ponderação do risco nas decisões a tomar e contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida das populações", conta Daniela Antunes.

Os resultados e a qualidade dos trabalhos iniciais fizeram com que a empresa fosse convidada por promotores de RWE a participar em iniciativas internacionais, em conjunto com instituições de saúde portuguesas. "Ao realizarmos os primeiros projetos de RWE, compreendemos o impacto transformador que estes poderiam ter na qualidade da prática clínica. Sentimos, de certo modo, um dever moral, enquanto médicos, de procurar praticar medicina através do RWE. Depois de vermos os resultados dos primeiros estudos, percebemos que poderíamos ter feito mais e melhor pelos nossos utentes no passado, se soubéssemos o que descobrimos nesses estudos". Nesse momento, explica Daniela Antunes, tomou forma a missão da MTG: criar condições para gerar evidência em escala e com tão elevada qualidade que possa auxiliar os profissionais de saúde na prática clínica, prestando os melhores cuidados possíveis a cada utente. "A estratégia empresarial emergiu como consequência direta desta missão, e o crescimento da empresa ocorreu de forma orgânica. Acreditamos profundamente que o sucesso é algo que resulta de, individualmente, colocarmos ao serviço dos outros os melhores talentos que possuímos, e de nos esforçarmos todos os dias para fazer crescer esses talentos, através de aprendizagem contínua, crítica construtiva constante e da procura ativa por sair da zona de conforto".

Receber o Prémio Nacional de Inovação reflete, nas palavras de Daniela Antunes, "o reconhecimento do impacto transformador que os estudos de RWE podem ter na melhoria contínua da prestação de cuidados de saúde e na qualidade de vida das populações". E acrescenta que este prémio "reforça a motivação para continuarmos dedicados à missão da MTG e para continuarmos a trazer para o setor da saúde novos métodos de conduzir investigação com segurança. Sentimos este prémio como uma responsabilidade adicional para aumentar a nossa dedicação à excelência, eficiência e sustentabilidade das nossas contribuições para a melhoria do setor da saúde".

Projetos e investigações em curso

A MTG foca-se principalmente no desenvolvimento de estudos de RWE multicêntricos e de elevada complexidade, com o objetivo de preservar ao máximo as nuances da prática clínica e do funcionamento das instituições de saúde. "A nossa atividade central consiste no desenvolvimento de study packages - programas informáticos desenvolvidos à medida para responder a determinada pergunta científica, e que são fornecidos às instituições de saúde para que estas os possam executar internamente para cálculo dos resultados científicos de interesse".

Vários projetos têm contribuído para a maturidade da MTG no desenvolvimento de study packages. O Secur-e-Health, um projeto ITEA 4 sobre o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial (IA) federados usando study packages, é um desses exemplos. "Nesse projeto participamos na construção de um modelo de regressão federado para análise de sobrevivência e aprimoramos técnicas e processos, que hoje constituem elementos estruturantes da nossa atividade". Este foi um projeto em copromoção com outras entidades nacionais, nomeadamente a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o Instituto Superior de Engenharia do Porto e o Hospital-Escola da Universidade Fernando Pessoa, "e que nos permitiu ter uma exposição a um grande número de parceiros europeus, desde empresas, universidades e instituições de saúde".

A participação desde 2021 como empresa certificada para desenvolvimento de processos de harmonização de dados segundo o European Health Data & Evidence Network, um consórcio IMI2 foi outra oportunidade de crescimento "fundamental", disse a diretora. "Ganhamos um grande número de concursos públicos nacionais e internacionais para desenvolver processos de harmonização de dados de várias instituições de saúde segundo o standard de representação de dados (OMOP-CDM, Observational Medical Outcomes Partnership-Common Data Model)". Exemplos de projetos incluem a construção dos processos de harmonização de dados usados pelo Centro Académico Clínico Egas Moniz (consórcio da Universidade de Aveiro, a Unidade Local de Saúde (ULS) da Região de Aveiro, ULS Entre Douro e Vouga, ULS de Vila Nova de Gaia/Espinho e ULS de Matosinhos), do Instituto Karolinska na Suécia, ou da Universidade do Sul de Dinamarca, instituições referência no mundo da epidemiologia. "Estas colaborações permitiram à MTG capacitar instituições nacionais e internacionais através do treino para usar ferramentas open-source para desenvolver e participar em estudos de RWE, com o objetivo de escalar a sua capacidade e de atraírem iniciativas de RWE". Segundo Daniela Antunes, o sucesso deste esforço conjunto permitiu a qualificação de várias instituições de saúde nacionais para integrar a rede DARWIN-EU (Data Analysis and Real World Interrogation Network), projeto pioneiro da Agência Europeia do Medicamento para gerar a evidência que necessita para fundamentar as suas decisões regulamentares. "Além disso, conseguimos também integrar várias instituições portugueses noutras iniciativas de investigação científica como por exemplo com a National Institute for Health and Care Excellence (NICE), a autoridade de saúde Inglesa".