Felcartel deixou 95 desempregados e dívidas de milhões. Vai a leilão por 12 mil euros
07/11/2024 19:50
Fundada em 1989 por Carlos António de Sousa, a fabricante de calças de homem e senhora Felcartel chegou a fevereiro de 2020 já nas mãos do seu filho, Carlos Miguel Costa Gomes de Sousa (com uma participação de 73% do capital), e dois dos seus trabalhadores – Carlos Filipe Moreira Pinto (13,5%) e José Manuel de Sousa Lopes Barbosa (13,5%).
Ora, nessa altura, com a chegada da covid-19 a Portugal, a Felcartel sofre um "total cancelamento total de encomendas e inúmeras baixas médicas de trabalhadores, por surtos daquele pandemia", conta a empresa na petição inicial do Processo Especial de Revitalização (PER), ao qual viria a aderir em dezembro passado.
Apesar disso, "com maior ou menor dificuldade", a Felcartel continuou a laborar "e adaptou a sua produção às necessidades do contexto social vivenciado, nomeadamente, passou a produzir máscaras".
Mesmo assim, os efeitos a nível comercial sentidos pela empresa "foram drásticos e dramáticos, pois todo o planeamento efetuado para os anos seguintes teve de ser reapreciado e reajustado".
Resultado: "Com os mesmo trabalhadores, com os mesmos instrumentos de produção e com as mesmas instalações", acabou por fechar o exercício de 2020 com uma faturação de apenas um milhão de euros, ou seja, de um ano para o outro, perdeu receitas de 763 mil euros.
Em 2021, já depois do fim do segundo estado de emergência, viu-se confrontada com outra contrariedade - "a escalada elevatória interminável dos preços das matérias-primas, dos preços dos transportes e, sobretudo, do aumento dos custos com a energia, aumentando, em muito, a despesa" da Felcartel.
Banca fecha "torneira", tesouraria da empresa exaurida
Na têxtil de Lousada, surgiu entretanto "a dificuldade de acesso na banca a novo crédito, onde a banca já não negociava financiamentos" e pressionava para que fossem pagos os créditos já existentes – "tais créditos já não tinham margem para renegociação", lembra a Felcartel, reportando que "cada vez mais a banca limitava ou cortava mesmo as contas correntes caucionadas".
Depois de ter fechado 2021 com um faturação de 1,1 milhões de euros, entra em 2022 e é apanhada pelos nefastos efeitos decorrentes da guerra na Ucrânia, que provocou "uma retração completa do mercado, com as empresas que a requerente trabalha a reduzirem ainda mais a procura e, em muitos casos, a suspenderem mesmo todas as conversações e negociações já encetadas".
Por tudo isto, o volume de vendas da Felcartel "baixou de forma inesperada e abrupta, ora porque a procura era escassa, ora porque escasseava as matérias-primas a preços competitivos e ora porque o acesso a crédito estava cada vez mais dificultado e condicionando".
Porém, explica, "foi a dificuldade ou condicionamento do acesso ao crédito que mais afetou a liquidez e a sustentabilidade da requerente, sobretudo, no seu relacionamento com o mercado externo".
Ainda fechou 2022 com vendas de 1,3 milhões de euros, valor estimado também para 2023, mas chegou ao final deste exercício com a tesouraria completamente exaurida, a acumular passivo e com a sua continuidade em risco.
Queria perdão de divida em PER, acabou na insolvência
Daí que, considerando "fundamental um perdão de dívidas e de juros", os seus acionistas tenham decidido, em assembleia geral realizada a 29 de novembro do ano passado, aderir ao Processo Especial de Revitalização (PER).
A Felcartel entrou em PER com um total de 95 trabalhadores e uma dívida de 3,5 milhões de euros, com a Segurança Social a encabeçar a lista de créditos, tendo a haver 772 mil euros – valor que continuou a aumentar nos meses seguintes -, seguindo-se a Norgarante com 222 mil euros.
Entre os 102 credores, estão também bancos como o BCP (176 mil euros) e o BPI (139 mil euros), registando-se ainda a presença do fundador da Felcartel, Carlos António de Sousa (215 mil euros), e o seu filho Carlos Miguel Costa Gomes de Sousa (36 mil euros).
O plano de recuperação da Felcartel viria a ser apresentado em abril passado, mas não foi bem acolhido. "O PER apresentado padece de múltiplas insuficiências que determinaram que tivesse sido reprovado pela maioria dos credores e, por isso, não pode ser homologado", escreveu o administrador judicial da empresa no seu parecer.
Lembrando que "se verifica incumprimento generalizado das obrigações vencidas por parte da empresa" perante a Segurança Social desde meados de 2020, o gestor judicial considera que "esse incumprimento generalizado, nos últimos quatro anos, é fundamento suficiente" para "a empresa requer a insolvência, dado a lei mencionar apenas três meses de incumprimento, os quais foram, há muito, ultrapassados", sublinha.
Agravante: "Tem dívidas avultadas à Previdência (771.769, 41 euros) e, na pendência do PER, não retomou perante esta o pagamento mensal das respetivas prestações sociais."
Alegava ter ativo de 575 mil euros, vai a leilão por menos de 12 mil
Relativamente aos ativos, o administrador judicial realça que a Felcartel não tem "qualquer bem imóvel", sendo que a empresa "alega ter ativo de cerca de 575 mil euros pese embora esteja notoriamente sobrevalorizado, dado não ter levado em consideração a depreciação dos bens móveis em causa sendo certo que parte deles tem décadas de uso", sentencia.
Exemplo: "A máquina mais cara, avaliada em 127.904,95 euros, foi adquirida em 1989."
De resto, alertava que, caso a Felcartel deixasse de ter a proteção conferida pelo PER, "os credores, nomeadamente através de execuções, poderiam ‘estrangular’ a débil tesouraria da empresa".
Mais: "Com a aproximação do próximo mês de agosto, período em que duplicam as obrigações da empresa perante trabalhadores (remunerações e subsídios), Fisco (IRS) e Previdência, a asfixia financeira da devedora aumentava, o que faria subir exponencialmente o risco de 95 pessoas ficarem desempregadas com os problemas daí decorrentes."
Mais eis que o PER viria mesmo a ser encerrado sem sucesso, tendo a Felcartel sido decretada insolvente em agosto, mês em que fechou portas e seguiu para liquidação.
Na próxima sexta-feira, 8 de novembro, os ativos da Felcartel – máquinas e equipamentos para a industria têxtil, material de escritório e dois veículos ligeiros de mercadoria – vão a leilão, a decorrer na Copagri – Cooperativa Agrícola de Lousada.
Caso não haja ofertas para a totalidade dos ativos, com o valor de abertura fixado em 11.925 euros, os bens poderão ser licitados individualmente (lote a lote), avança a Exclusivagora, a leiloeira responsável pelo leilão.
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